quarta-feira, 16 de julho de 2025

Só Você que eu Namoro

Vem a mim, pura pressão

Que se desfaz à ventania

Faz de si nobre ilusão

Cria em mim a poesia


Cai em mim

Cai em mim doce paixão

Chora quando não queria

Conhecer a sensação

De sofrer por estar sozinha


Quando em águas

Quando em águas eu me livro

Me desaguo em teu sorriso

Me apego ao teu seio

Sou melhor a ti por isso


Faz da minha

Faz da minha livre história

Sua melhor malandragem

Que só vejo de passagem

Ao cegar-me por tua glória


Caio besta

Caio besta em seu colo

Só você que eu namoro

Já estando desatento

Me despeço ao teu alento


Quem diria

Quem diria o movimento

Ser tão longe de onde moro

Quem dirá se eu lhe aguento

Pois num olhar eu logo choro

quinta-feira, 3 de julho de 2025

Terminar


Devora-me seu olhar
Só por dor de se afastar
Sol se põe, diz sem pudor,
Pra que a lua vá brilhar

Mas, à sua sofridão,
Também sofro de antemão,
Pra sem cor me apegar
Ao incolor da sua razão

Pudera seu amor
Ser por mim e mais ninguém.
Quem dera seu desdém
Cedo vire um porém,

Para a lua então brilhar
No céu com o sol também.
E enfim o nosso orar
Ter fim com um Amém

sábado, 3 de maio de 2025

Nosso Combustível


Peço a Fernando Pessoa me deixar escrever sobre o que é compreensível. Talvez também pra você.


Bem… Viver não é preciso.


Porém morrer é possível. Você não é invencível. Então para de ser uma pessoa invisível e crer num sonho infalível. Jamais agir sem temer, ou só temer sem agir, sei que é imprevisível, mas eu digo a você:


Vá por mim. Se arrepender é plausível. Difícil é sofrer. Deprimir é terrível, mas amar irresistível. Confiar dá prazer. Inadmissível negar. Por isso, seja sensível. O melhor que você faz é buscar sua paz nas poucas coisas reais, onde o incrível está. 


E digo mais: navegar é preciso. Então corra atrás de comandar o dirigível.

segunda-feira, 28 de abril de 2025

Passe (ajustado)


Nem tudo é sobre nós.
Também é sobre laços.
Saudades que me doem
Convêm do embaraço.

Meus laços me destroem.
Em nós eu me desgraço. 

Deus que nos perdoe
Deixar que um sonho soe
Pros outros: meu fracasso.

Problema, já não ligo.
Fosse bom, já tinha sido.
Se vão for, foi merecido

Sofrer sem ter vivido,
Morrer sem dar um passo.

domingo, 27 de abril de 2025

A Destemida IA

 

À IA, faço arte.

Me doo e expresso. 

Regresso eu soo,

Mas digo-lhe o inverso:

Seu prompt é o léxico

De um ser reconvexo.


Então não descarte

O meu próprio verso.

Pois somos, em parte,

Donos do contexto,

Leais à verdade.

Reais no pretexto.


Nossa criatividade

Endossa o que peço.

sexta-feira, 25 de abril de 2025

Levantas-te


Na vida, se há mágoa
Por ser ressentida
Por que cargas d’agua 
Tu sofres, querida?

Se fostes mais árdua
Estarias perdida
Terias já largo-a
Em tese, morrida

Pois preze-te, amiga
Cá calo-me e, contida
Tu me falas sofrida
Ter se arrependida

Por ti deves ser erguida
No abalo da caída
Sem uma mala que te pese 
Em cada dor a que se lida

Peito Vazio (2)


Só me resta a fome
De, como todo homem
Ter um belo amor

Enfim, eu já não sou
Tanto quanto antes
Igual um Beija-flor

Se prego todo dia
Tal qual minha euforia
Eu dou-lhe a mentira
Como quem já lhe surtou

Se rego o plantio
De um jardim senil
Meu peito suspira
Como quem eu mesmo sou

Ponho tudo a perder
Porque já me perdi
Se hoje perco a sofrer
É porque me feri

Então não venha dizer
Se eu me arrependi
De matar fome outrora
Com tudo o que eu vi

Pois posso garantir
Assim como a fome
O que eu como agora
Depois volto a pedir

Um amor que em mim desperte
A vontade de sentir

sábado, 12 de abril de 2025

Amanhecer


Ego à luz da voga 
Alego-me afogado
Nego estar largado
Ao lago nado imerso

Navego cá disperso
Vago-me sem lado
Divago desconexo
No poema que lhes trago

Um eu bem mais complexo
Isto é, se for possível
Confunde o imprevisível
Em afago já alagado 
Há de mim em cada verso

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Paz Sem Luz


Paz de outrora em vida
Faz de si esquecida
E à sombra jaz retida
Ai de mim que a siga

Paz da aurora erguida
Mas sem ter dormida
Vai a mim ser tida
Como arrependida

Paz com luz se lida
À sombra me assombra
Afaga-me em luma
Toda a dor sofrida

Desta minha lombra
Árdua incompreendida

segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

João Carão


João Carão, em sua casa
Usava tudo do mais sujo
Seu bule mesmo era um nojo
Sua triste cozinha um entojo 

João lavava só a alma
Deixava o resto aos mosquitos
Sua aparência, tão esquisita
Pedia arrego mesmo tão calma

João Carão limpava a si
Com fé e foco pros seus projetos
Que acumulava sobre dejetos
Em companhia dos bichos ali

João fazia tudo a rigor, mas
Deixava rastros por onde passava
Vivia sempre fazendo mais
Do que o rancor que ignorava

João Carão, vá se arrumar
Pediam todos a todo dia
Sem que ele ouvisse, pôs-se a cantar
Abafando o bafo com melodia

Mas quem sabia quem era João
Só conhecia a sua nojeira 
Os seus projetos ficavam à beira
De somente sua suja prateleira

João tinha muito para contar
Muito para dizer
Pouco pra reclamar
De tudo, como foi ser

João Carão foi se banhar
Apenas no mar de suas ideias
Enquanto o corpo a defumar
Ia afastando suas plateias 

Quem sabe um dia, talvez João
Faça de si mais higiênico
Faça sua casa um lar mais cênico
Supere a ordem da podridão
Com o organizar de um ser autêntico
E assim poder lavar suas mãos
De quem lhe julga patogênico.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Todos Um Dia


Quem se descobre
Antes nuvem, hoje chove

Quem se encobre
Antes vinha, hoje daninha

Quem se cobra
Antes sobra, hoje falta

Quem se salva
Antes vive, hoje morre
Pois não há

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Arte em Cárcere


Dou a cara a tapa
Face já tão fraca
De tanto se doar
Nunca sobre capa
Sempre como está

Sou igual à prata
Nobre colocado
Nunca campeão
Não acomodado
Mas sem ambição

A arte, o meu fardo
Faz-me prisioneiro
Torna-me herdeiro
Da livre expressão
Num ser desajustado

Pois sim, eu bem queria
Contudo e todavia
Manter a tradição

Pois sei, o que me guia
Com tudo em toda via
Mantém meu pé no chão

Sou arte em poesia
Só ela anestesia
Meu pobre coração

Sou parte fantasia
Que em torta ironia
Detém-me na prisão

Porém dessa magia
Endosso a heresia
Daqui não saio não

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Penúltimo Ato (Resumo)

Ao cair por um tropeço
À depressão dei endereço
Fiz do fim um grande apreço
Dispensei um recomeço
Dei valor só ao que tem preço

Que mereço, eu confesso
Essa dança reconheço
Tão somente me desfaço
Traço em mim um passo em falso
Ao escasso me ofereço

Mas se passa em sua cabeça
O que penso e o que passo?
É só isso que lhe peço

Ao avanço me disperso
Já cansei-lhes meu disfarce
Minha face sempre sonsa
Tão sem graça já não desce

Mas se a mim cê reparasse
Num olhar tu me adentrasse
E a minha dor então sofresse
Meu agir reconhecesse

Na origem da ofensa
No assédio insistente
No meu câncer padecido
Na distância fluminense
No meu coração partido

Aí, sim, então somente
Cê veria meu sangue quente
Tão espesso e aderente
De emoções tão permanentes
Em memórias displicentes
Que, por escória, só as más
Eu me lembro infelizmente

sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Escada


Pra cada degrau, uma pausa
Pra cada subida, uma vista
Pra cada tropeço, a caída
Pra um recomeço, a volta
Pra cada saída, um artista
Pra ser compreendida: a causa
A mão de cada um ninguém solta

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Cá Estou


Cá estou novamente
Já me sinto mais forte
Já não sento esperando
A minha vida passar

Cá estou claramente
Não mais sinto o recorte
Não me vejo pensando
Num destino a falhar

Cá estou tão somente
No aguardo suporte
Do meu ser reformando
Com razão pra lutar

Cá restou minha mente
Tive, foi, muita sorte
De lhes ver me ajudando
E a minha dor vir curar

Cá estou paciente
Mais atento ao norte
Mas bem lento vou dando
Cada passo devagar

Cá estou persistente
Para que então possa
Parar de viver sofrendo
E poder, a mim, eu voltar

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Acertos


Distantes estamos
Do par que já fomos
Tal mar e oceano
Sagrados profanos

Diz tanto o que somos
Tão grandes desejos
Tudo que alcançamos
Lampejos insanos

Tão bom acertarmos
As pontas dos canos
Por onde os enganos
Passaram a ser-nos
Um mal que enraizamos

Tão bom retirarmos
A culpa de dentro
Tão sem fundamento
Mas que nós criamos

Passaram-se anos
Só agora nós vamos
Cuidar de si mesmos
Como nunca fizemos

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Elô


Faz-se tão tônica
Guarda em si outra
Duas em uma
Doa-se em suma

Chuva de espada
Em chão de fofura
Nuvem chei d'água
Ou seca ou alaga

Faz-se tão sônica
Guarda-se em guia
Que torna-se icônica
A sua correria

Como um avião
Pousa e decola
A sua razão
No que lhe assola

Já o que avassala
Tal fera devassa
Ela devora
De antemão

Por isso, abre sala
Que digo-lhe a graça
Dessa senhora:
Eloísa Leão

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Desejo


Desejo que eu ame
A todos que encontrar
No que ainda me resta
De vida a trocar

Desejo a cada nome
Do qual ouvir falar
Tudo que em mim presta
Poder compartilhar

Desejo como homem
À palavra confiar
Minha fala tão honesta
Que hei de, enfim, bradar

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Modesta Ambição

 
À censura da usura
De avareza e ganância
Usufruo de postura
Com certeza relevância
Do quão sou, em natureza
Quando excluo opulência
Do idioma de fluência

Majestosa exuberância
Não és da minha cultura
Nunca foi-me uma beleza
Nem faz par à minha essência

Doo a ela ignorância
Já que farto de fartura
Me disponho à leveza
Do que faço incumbência

Soo melhor à minha instância 

sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

Navio de Teseu


Com razão
Me despedaço
Sem vazão
Ao recomeço

Sou eu mesmo?
Ou fui embora
No que agora
Mal conheço

No abismo
Joguei fora
Tal a flora
Que esmoreço

Na solidão
Do meu cansaço
Perco um abraço

Traço o esboço
De um esforço
Em estilhaço

Da minha fé
Que pus outrora
Meu apreço

Que jus faço?
Rezo um terço
Já descalço?

Minha Senhora
Me conduz
Ao seu berço

Dá-me luz
Por onde passo



sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Passe


Nem tudo é sobre nós
Às vezes é sobre laços
A saudade muito dói
À verdade, seu percalço

Passos que nos destroem
Do nó faz um embaraço
Deus que nos perdoe
Deixar que um sonho soe
Pros outros, meu fracasso

Todavia, já não ligo
Bom seria tendo sido
Mal havia merecido
Sofrer pelo perdido

Morrer sem nem dar um passo

sábado, 2 de novembro de 2024

Cega em Chamas


Suportável cega em chamas
Dá-se o doce a quem te amas
Faz navios em céus, a lama
Se desfaz a quem se engana

Quanto há de um braço amigo
Não poupado à erosão
Lê-se um verso já em vão
Abrir-lhe mão de ser querido

Vai-se então agora outrora
Mede embora pra partir
Sucumbir a sua aurora

Cai-se ao chão nessa demora
Faz de tudo a repetir
Fez-se mudo em alívio

Deu-se a quem ali viu hora

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Guaporã


Deite em mim, anfitriã
Se deleite ao meu divã
Faça firme e coesa
A sua bela natureza

Flui em mim seu guaporã
Morde enfim a tal maçã
Pra no fim nos dar razão
Dos maus dias que virão

E mesmo assim termos certeza

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

Certeza

Desabo ausente
Do ser presente
Coincidência
De sua presença

Faz do céu
Seu véu cadente
Chove em mim
Sua natureza

Doce é o mel
Que à sua beleza
Me faz carência
Me dá certeza

Dois Cigarros

Minhas caminhadas diárias eram de lei. Todo santo dia eu ia, a qualquer hora. Pra onde não sei.

Caminhava até a orla, pra esquerda. Noutro momento, pra direita. E assim seguia. Na semana eu já tinha feito uns trinta quilômetros e nem sabia.

Mas de uma coisa eu sei. Bem lá na fachada da farmácia perto do restaurante chinês, um senhor havia. Ele era assim bem parecido com Raul Seixas, mas um tanto mirrado. E olhe que Raul já era meio mirrado (e birrado também). Mas esse senhor tinha o jeito contrário de Raul. Era calmo, sereno, humilde, simples. De poucas palavras, mas no bom sentido.

Pra mim, era um morador de rua. Estava quase sempre lá numa melancolia. Cabeça baixa. O bigode escondendo a boca. Sua expressão nua e crua como se não tivesse nada na memória a esconder de ninguém. E é aí que a história vem.

Logo na segunda ou terceira vez que o vi, dei-lhe um cigarro. Ele pegou com tamanha humildade e carência que eu disse “Tome logo dois”. Foi aí que, apois, ele abriu um singelo sorriso. Depois disso, toda vez quando eu passava por lá lhe dava dois cigarrinhos. Minha carteira sempre cheia. A dele nem existia. Mas isqueiro ele tinha. Como minhas caminhadas eram de lei, e ele estava lá quase todo dia, fui criando um laço.

A gente não falava nada. No máximo, eu dizia “Tudo bem”? E ele concordava com a cabeça, sem sequer dar a graça de sua voz. Foram manhãs, tardes e noites em que eu caminhava a qualquer hora. Pra onde, não sabia. Mas se passasse por lá, lá estava ele. Era só eu aprochegar e ele sorria. Seu sorriso singelo e sereno. Seus olhos humildes, com ar de quem já sofreu muito na vida e continua a sofrer. Mas, quem sou eu pra dizer? A gente nem sequer conversava pra saber.

A questão vem agora. O tempo ia passando e, cada vez mais, eu não o via. Demorou bastante pra chegar uma hora que ele estava lá, na mesma fachada da farmácia, do mesmo jeito. Deu-me até uma alegria. E eu nem sei por quê. Mas, novamente, abri a minha carteira e peguei dois cigarros. Entreguei na mão dele. A mesma sintonia. Só que nesse momento eu não sabia:

Foi ali nosso último dia.

Caminhei, caminhei. Nada. Nunca mais o vi. A todo momento que passo por lá, não mais o vejo. O ver era meu ensejo. Se eu soubesse que nunca mais o viria, teria dado minha carteira inteira. Todinha.

Olha que bobeira a minha. Achar que os cigarros eram o que nos unia. Que nada. Eu caminho porque tenho depressão. Faz parte do meu dia a dia. Não sei da história dele, porque ele nunca se abria. Mas sei que o que nos fazia sorrir um pro outro era a pura e simples atenção. Era o olhar e se entender. Era a ausência da agonia. Ou a presença da harmonia. A labuta do viver.

Nunca mais o vi desde então. Hoje, eu caminhei. Pra onde, não sei. Mas ao passar por lá, na fachada da farmácia, peguei minha carteira e dois cigarrinhos deixei. Até porque se, por acaso, ele ainda existir, nossa atenção um com o outro é de lei. Na minha cabeça construo a ideia de que um dia há de vir para nos reencontrarmos. Eu adoraria vê-lo de novo sorrir.

Tem coisas que a gente só aprende vivendo. Outras, nós morremos para aprender. Se um dia eu vê-lo, vocês vão ver: vou voltar rindo de alegria. E não será só pelo cigarrinho que dei. Será pela atenção. Pela simples e pura atenção e companhia que recebi e deixei.

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

Sós Derrotas


Entretecida bossa nossa
Teima vã a destoar
Do que somos em que estamos
Quase sempre a pelejar

Nos coroa sem bradar
Nosso eco tão vazio
Nossa fé de tão intensa
A orar pro desafio

Sem haver nenhuma avença
Cansa à gente disfarçar
Põe-se um véu a nos cegar
Nem sequer pra reverência

Sós nós vamos prolongando
Essa peça a que atuamos
Pois que então ela mereça
Ser de fato a desistência

De saber que nos gostamos
Mas por forte insolência
Nossa audácia incompetência
Nos impede o apaixonar

Eu te amo e, não portanto
Vou deixar de me amar

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

Rosa


Desastrosa cor-de-rosa
Entra forte na minha vida
Sara dor não compreendida
Então sela minha ferida
Por tão perpétua mágoa
Dessa íngua tão ardida
Vem pra ela dar-me trégua

Amorosa rosa choque
Choque a todos se quiser
Ou se mostre bem-estar
Da minha fé no que de pé
Continua a caminhar
Mesmo dentro do enfoque
Pois se brilha vai cegar

Tão vaidosa rosa bebê
Mostra todo o seu poder
De completo me fazer
Ser a quem prefiro ser
Do que só me existir
Pois bem sei que vou sofrer
Se eu vim pra resistir

E insistir nesse prazer

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Há Desdéns Plutão (2)


Num estourar de um martelo
Negligente como gelo
Errara cara do cavalo
Ao azar deste modelo
Entre galo e vassalo
Da justiça facciosa
Cordialmente sectária

Nua, crua, mas secreta
Faz o feio virar belo
Uma magia horrorosa
Ela bate o seu martelo
Justo ele, tão singelo
Tão injusto, tão sem elo
Não repara em quem zelo

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Sai de Baixo


Se me engana a veracidade
Torno minha sua praticidade
Tão desdenha que me deixas
Sem um colo a que me ponho

Só que incauto me defendo
Ponho firme o meu punho
Dou valor ao próprio sonho
Há tanto tempo que vou tendo 

Na cadência da sua ausência
Se disparo à ignorância
Só cultivo a indecência
De aluir sua prepotência
Avidez de sua fragrância
Confusão da indecência
Desamparo à soga instância

Não me atenha sem que haja
Sua esbórnia incoerência
Nem tão julgue de inocência
O abrir da sua naja
Venenosa mentirosa
Poderosa vã demência

Faz viés à incompetência
Lumiada da verdade
Age assim na indolência
Pura e cega da vaidade

Se me queres não me julgue
Só expurgue essa casta
Indigesta iconoclasta
Sós já basta que me sugue
Nos arrasta à coincidência

Hoje faço carnaval
Ao punhal de que me queixas
Bem na ponta das madeixas 
Me despeço em vendaval
E me ocluo às suas flechas
Pois me faço de antemão
Não lhe caço sem razão
Só devasso o que é banal
Nesta sua podridão
Neste seu teatro mau
Vá de retro à solidão

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Aparentes Enganam

Cedo tarde a compreender
Consciente e com ciência
Do porquê, não obstante
Volto em instante a sofrer
Com tanto a minha e sua ausência

Lágrimas de longo frete
Não dá prazo à validade
Lâmina fina de saudade
Lasca a cada desavença
Cada fútil indiferença
Cada pequeno pedido
Largado à impaciência
Cada palavra seca
Cada olhar mordido
A sustentar sem coerência

Destruímos não só a infância
E além da adolescência
Mas anulamos a vida adulta
De quem só nos demos à distância
Por tão justa sua carência
Pra hoje chorarmos ao soluço
Um luto sem consistência

Tantos dias que aos lhe ver
Triste pus-me à indiferença
Tanta mágoa sem dizer
Tanta frase sem sentença

Pior de tudo é saber
Do outro plano conhecer
A que vocês se vão agora
Sem ao menos lhes dizer
Que embora fui-me embora
Não esqueci todo o prazer
O belo cheiro da sua torta
O seu conserto da minha porta
O seu desejo de me ter
Que ao menos largue a hora
Para nunca lhe abster 

Hoje torcem pra não sermos
Nem sequer a quem mal vier
Tão frios como fomos-lhes ser
Tão cegos ao que real importa

O que passou está na frente
De um passado a me assombrar
Do não mais tempo passar
Com vocês aqui no lar

Amanhã, experimenta
Ser teu filho semelhança
Pra ele, tal qual sua essência
Se indispor à sua estância

domingo, 15 de setembro de 2024

Esquizoide

Esquizoide dor aguda
Faz de mim sua Pompeia
Deixa história ou destrói-a
Me avassala ou põe-se muda
Tal vassala a fazer sala
Na senzala a que encarcera

A mim salva ou põe ressalva
Salvaguarda mal pusera
Cria a tiara da Malévola

Ao meu controle tira ou gera Vem a mim como já vinhas
Me ferindo sobre pérgola

Há de vinho quem me dera Faz-me presa ou põe-me fera
Torça ou fira, aquém me importa

Feroz bata-me à urtiga
Na horta cure-me em arruda Qual da tua foz se define em luta

Mal tão algoz ou sublime culpa?
Atropela a minha voz ou a atrela à garupa?
Paranoia a entortar esta minha fé absoluta

Vê se me esquece, para eu poder prosseguir em paz
Já que jamais conseguirei zerar o findo da minha conduta
Ao menos forneça-me a verdade sem que me importune
Pois absorto jaz eu morto à dor aguda que me pune.

Nova Era

 
Calmo vos declamo:
Ao ir me deixo nu um tanto
Pois há, meu eixo, de vir, no entanto
Virá a seguir daqui, portanto
Dado por ti o brio encanto
Tão cego via-me ali
Mal pude discernir
Sentir seu eu a me ouvir
Pra lhe despir hoje enfim
Ver-me ao menos bem maior
Contanto que com tanto amor
Sem julgar culpa a rigor
Nem feri-la por rancor
Desde o sol raiando cedo
Notei logo meu placebo
De todo modo, sou eu mesmo
Quem vos fala já sem medo

Laço Apertado

 
A gente até parece um só
Descalço em areia quente
Caço sombra em meio ao sol
Sua beleza à minha frente
Nosso amor como miragem
Viu uma ilha onde era atol
Na surpresa da paisagem
Tanto cerco em tal viagem
Que me perco do farol
Nos amarramos um ao outro
A sós ficamos tão melhor
O que há de nós ainda é pouco
Sem sua voz me sinto louco
E o coração bate mais forte
Ao deixar-me muito rouco
Nosso amor, eu acredito
Vai deixar nós tão mais fortes

Há Desdéns Plutão

 
No estourar de um martelo
Justo ele, tão singelo
Errara a cara do cavalo

Ao azar deste modelo
Entre galo e vassalo
Da justiça facciosa

Cordialmente sectária
Nua e crua, mas secreta
Faz o feio virar belo

Não repara quem fez zelo
Negligente como gelo
Ela bate o seu martelo
Tão injusto, mas singelo

Perdoai-vos

 
Ao giz algoz, ferir-me quis
Alto em nós há já um triz
Do mal tal diz secar raiz
Dar fim só ao que já fiz
Maus seriam pois aí erram
Por lá trazerem a foz sem fim
Simples seria sua fé em mim
Mostrar-lhe o galho não condiz
Livrar do atalho a que conduz
Fazer do erro a sua luz
No tronco seco a dor feroz
Em duplo sopro faz de nós
Agulha prega do problema
Fechadura torta gira
Esse prego num dilema

Queimosia

 
Dá-se a toda teimosia
Um fio de perseverança
Linha tênue entre agulha
Que labuta num pavio
Clareando sua andança

Brincadeira de criança
Que lá surta se não viu
Ser favorito na infância
Você teima porque queima
Como agulha no palheiro
Desfazendo-se em cheiro
Incendiando a fazenda?
Ou cê teima porque queima
O algoz do travesseiro
Dando giro num isqueiro
Com o gás dessa oferenda?
O que lhe queima lhe explode?
Ou lhe implode e faz seguir?

Em Gratidão

 
Liberto-me em ser
Ao abrir-me pra Você
Quando laço Sua paixão
Pudera eu viver
À eterna gratidão
Do Seu meu bem querer
Mas sofro por ceder
Descalço do meu chão
Me apego ao prazer
Da forte obsessão
Que livrai-me do querer
Ser-Lhe filho e escrivão
Ver meu inferno de ilusão
Faz-me só retroceder
O cuidado à construção
Ah, se fosse muito fácil
O poder de me manter
Sempre a salvo, com noção
Do difícil que é poder
Ter a chave da prisão
Ter Você no coração
Ter-Lhe sem ingratidão

À Rua Minto

  À rua não me esmoreço
Faço firme quem não sou
Mas que sim me reconheço
Noutra face que me dou
Me arranha a insegurança
Me detém a tanta dúvida
Me atenho na criança
Só brincando em sua dádiva
Nua completa me ofereço
Pois minha pele já restou
Sem a roupa que deixou
O meu corpo pelo avesso
Ninguém sabe onde estou
Porém todos dão apreço
Que talvez eu não mereço
Pois à rua a que me vou
Faz de mim um endereço
Deste meu tal recomeço
A que tanto me esforço

Por ser grato a teu feitiço

Que me põe logo a serviço
Pois foi isso que salvou
De viver naquele poço
E me deu este avanço
Na minha vida que mudou
O caminho que caminho
É só meu e vou sozinho
Porque meu ser acordou
Desse berço onde ninho

Mar Asmo

 
Que o marasmo me aponte
Esta ponte da minha via
Justo eu sem dor amarga
Fui querer a enseada

Do seu mar que jaz defronte
Da minha nobre empreitada

Tira a mim da sua frente
Ou terei que dar a largada
Da minha luta já tão quente
Que desfaz a sua alçada

Por Ti Oro

Pomodoro tão quebrado
Fez de mim um iludido
Contornou-se o que de fato
Resta em tempo ser saudável
Comodoro eu me faço
Dou a luz ao impossível
Que se perde em meu traço
Ao ceder pro inconcebível
Como adoro ter um tato
De julgar-me falecido
Ao querer ferir-me um cato
Sem sequer ter merecido
Corroboro o que entrelaço
Aos nós firmes do meu braço
Quando já eu me desgraço
Quando o fim for concebido
Credo, dai-me um abraço
Ilumina meu sensível
Coração a que infarto
Tão quebrado e sofrido
Por ardor a que me dão
Tão megero invisível

Esfinge

Esfinge do dilema
Aqui faço-lhe poema
A que estou por ter pecado
Ao fracasso da resposta

Finge ti que a mim tenha
Salva-me de ser abestado
Recupera o meu estado
Que em guerra se empenha

Meio humana e meio leoa
Sua forma já me doa
No prazer de ser chamado
Por aqui ter caminhado

Queime a mim de suas graças
Às desgraças em minhas costas
Pela dúvida ter errado
Na minha estúpida resposta

"Ele sempre, sempre corre,
Mas nunca sai do seu lugar"
Ela "o vento" espera
E eu, poxa, quem me dera
Não dizer à essa fera
Que o certo é o "pensar"

sábado, 3 de agosto de 2024

Acha Que Eu Não Sei?

Desço à rua só pra crescer
O que em mim foi renascer
Lei de um fim que desmontei
Sobre um reino sem um rei

A pele nua eu deixo ver
Cê acha o quê? Que eu não sei?
Sua mente crua tá tão na lua?
Tremo, fujo, escondo também
Mas a vontade de ser vai além
Do medo dum olhar de quem vê
Vaidade é, da idade, via ou vaia
Esse segundo, leigo sujo de maldade

Por isso eu desço a rua pra crescer
Numa exposição que não é sua
Então não se preocupe se estou bem
Porque a minha vontade de ser
Vai muito, mas muito mais, além
Do quão aquém era a verdade do meu viver

Lar de fora, faz da rua
Ora embora, ora agora
Hora afora vai-se embora.

terça-feira, 30 de julho de 2024

Forra


Soa a Nau e entoa então
Aqui não venhas se impor medido
Sai da sua e vá-se em vão
Pagar-te arte ao ferir-me arbítrio

Tal delicada deliciosa
Maliciosa mal-educada
Cal ociosa me aliciava
Sua breja vil já me alvejava

Impugnante punho ferido
Punhal infante num bradar sofrido
Mal levara à cara sua párea praga
Cá sua infame tara enfim lhe apaga

Dê à nossa terra piedade
Não se enterre ao cair
Queima-te em pé
Deixe-te ao vento espalhar
Esse corpo unguento

Pra nunca alguém mais machucar
Pra verdade em fé prosseguir



quarta-feira, 17 de julho de 2024

Planejar Sem Ejar


Quão ao extremo nos opomos
Quando em cárcere privamos
Ao livrar-nos do que somos
Pra dos livros fazer planos

São verdades de um ensejo
Conceder-nos no que vejo
Não vir de vez como num beijo
Mas no ceder de um baculejo?

Ou são imagens de outrora
Vez do velho já de fora
Nos dizendo que, embora
Fosse o intuito um desejo
Só o plano faz a hora
Precisar por tão conserto

Mas se todos nos doamos
Terminamos já represos
Ao milagre não voamos
Em mil lacres do pé ileso

segunda-feira, 8 de julho de 2024

Quadro Negro

Trago um poema em dor
Jamais dela ser bem-vinda
Tampouco peso outro fardo
Ora cálculo do estrago
Destas fartas recaídas

Dado o árduo que fora dado
A mim trabalho de ornar cor
Sobre um quadro já tingido
Num escurecido preto fechado
Sem tom branco permitido

Toco à tela com rancor
Pois por ela fui senhor
Em cada tom ali havido
Até o carvão ter afundado
Pro meu quadro ser esquecido
Apagando-me da dor

sexta-feira, 28 de junho de 2024

Buraco Negro

Sumo tanto e assumo
Quase que dissolvo
Faço que não solvo
Caço e'inda salvo

Laço, como, assusto
Luto, mas não, salto
Tanto, mas tão alto
Pago mesmo, o custo

Gasto, pois desgasto
Sei que estou farto
Base que desgosto
Gosto quando parto

Mês que me arrumo
Desde que desabo
Fez em mim, um amarro
No mesmo cabo, em que fumo

Louça a que eu lavo
Beijo, a paz de quem me doo
Mago sei que não, galgo
Ouça o que vejo, e trago

Antes de falar, quem sou
Desses versos acabo
Dos outros, deixo guardado
Mas lembrem sempre, um fato
Onde houver rio, e mato

Nunca serei escaldado.

terça-feira, 25 de junho de 2024

Não Me Leve Ao Mal

Há quem lidere e subestime
O poder que é tão sublime
De saber a hora certa
A frase correta
De se comunicar

Há quem diga que o ciúme
Se valida com quem sente
Sem saber que anteriormente
Dá-se luz ao que se teme
Faz-se jus ao que se entende
Pra depois estar presente
E poder se dialogar

Há quem diga que se sabe
Como se relacionar
Há quem faça até poema
E chegue até a publicar
Fingindo tanto quanto todos
Depois de ter tanto problema
Do aprendizado, crio um lema:

Não me arrependo de amar.

Ser Ou Não Sei

Dentre o quórum já citado, faço em coro a minha astúcia 
Firo a pira da pelúcia conhecida da infância 
Medicada dedilhada, por tão valha dor sedada 
Calha malha cá sarada, cura em si lá transformada

Vem demais tão transparente, torta sã capaz dormente 
Lista a luz de um quadro ausente
Soma em paz, devassa sente, gera em transe fácil lente

Sem girado o galho ofício, deixa à palha agulha em frente
À procura não descrente, mente e falha o artifício

Faz da usura a própria mente, goza impura a tal serpente 
Corta e fura como sempre, vaidade outrora a nós sofrida
Jaz à altura desmedida tão apropriadamente

Calor de agora a sós amiga, joia rara a quem penhora 
Nobre mágoa a lama afora, noz amarga apodrecida
Voz calada ensurdecida, busca a morte aonde mora
A nós deságua e sobra em vida

quinta-feira, 20 de junho de 2024

Adormerecida

Odisseia dos errantes de uma velha maestria
Desce e falha a euforia sobre corte tão infante
Neste instante já distante dei por mim que o atingia
Nem por isso lhe cabia ser assim repugnante

Impiedosa letargia diadema a que pena
Tão danosa alergia coloria mais um tema
Saborosa cantoria incendeia-me em chama
A quem chamo de orgia sem agir na minha cama

Sabe lá se sua via havia via a que vivia
E se via adormecida suicida que vicia
Vivencia cá vazia sua cia aqui sozinha

Intrigante insuportável coro triste ensurdecido
Ouço e grito a mim mesmo pois pareço entorpecido
Calo a mente condizente com o viés do merecido

Seu estúpido insolente, dê juízo ao teu crivo.

quarta-feira, 19 de junho de 2024

Então Que Seja

Sobre a cor que nos estampa

Tampouco o ar que me renova
O que me muda ou me transforma
É a realidade da nova guia
Sou o mesmo de sempre, e não importa
Se há controvérsias do meu estilo
Sou um pouco aqui e um pouco ali
Eu me contorno a qualquer presença
Me faço igual ou diferente
Minha face é máscara de tanta gente
Mas mesmo assim não me comporto
Com o coração sou eu mesmo sempre
Para uns há luz, outros escuridão
Para poucos há raiva, outros paixão
Para muitos há névoa, outros viagens
Para todos há o mesmo, mesmo que pareça invenção
Não é a cor que me rotula
Tampouco a voz que me inova
O que me muda ou me transforma
São as amizades da minha vida

Senti o ar descer comigo
Salgara o fel do livre arbítrio
Quiçá o sol fosse infinito

terça-feira, 18 de junho de 2024

Sem Prendimentos

Se aqui estou acordado sem que doa o meu refúgio
Do prazer de um sono amado ante o gozo duma ideia
Significa que sou grato ao destino concedido
Pela arte tão presente a correr em nossa veia

Já não fujo àquele medo de sofrer pelo ocorrido
Ao sentir-me abatido por perder um tanto cedo
Um futuro planejado neste ensejo tão sofrido

Nem mesmo choro sem sentido o fracasso surpreendido
Por estar um tanto longe de um destino não esculpido
Previamente imaginado porém num alívio admitido
Sobre o que fora acordado e hoje vejo quão fui salvo

Larguei mão do brio nocivo se o processo eu mesmo faço
Dou cara a tapa a cada etapa com cara limpa sem desculpa
Muito agradeço ter logo errado pra cedo ver o revés da luta
Pois aqui pago a minha multa ao receber régua e compasso

Se acordo há um instante de um sonho consciente
Abro os olhos com vontade ao me ver tão transparente
Cada dia mais distante meu sintoma faz presente
Condenado a compreender, relutei em relevar
Porque a vida é sofrer: pra nascer tem que chorar.

sábado, 15 de junho de 2024

Para Nós

Num calabouço intangível
Jaz aflita em condição
Minha memória sem censura

Pois só ouve quem sussurra
Sem dar voz ao concebível
Deixa em mim o inexplicável

Faz meu mundo maleável
E eu que já de tão sensível
Deito fácil ao imaginável

Perco torto a minha noção
Vivo ausente à sensação
De conforto e confiança

Todo apego à coincidência
A ignorância ela semeia
Por cada análoga ideia
A que me ilude uma plateia 

Neste escárnio alegórico
Fardo fato que estou farto
Já cansei de, tão eufórico
Até quase ter um infarto

Nesta busca inalcançável
De uma paz tão razoável
Vivo como um invisível
Só minha falha é notável

Mas um dia há de vir
Curar-me do que for possível
E a minha voz será a única
Que irei ouvir de mim

terça-feira, 11 de junho de 2024

Tianmelus

Derradeira morte em vão

Que despeço-me então

Faço vil a sua ausência

Pela sua luminescência


Cai a noite e sigo em frente

Deixo este caminho e volto

Mas tampouco estou envolto

Já que sou tão diferente


Outra aurora diz-me outrora

Que afora foi-se embora

Deixou-me à hora tão confusa

Na raiz de outra vara


Mas, que pena, joguei fora

Quando vi tão firme tora

Tal como disse-me Cazuza

O tempo não para

terça-feira, 30 de abril de 2024

Penúltimo Ato

Ao cair por um tropeço
À depressão dei endereço
Desabei-me sob um hospício
Fiz do fim um grande apreço
Dispensei um recomeço
Só dei valor ao que tem preço

Que mereço, eu confesso
Essa dança reconheço
Não descanso, nem almoço
Tão somente me desfaço
Traço em mim um passo em falso
Ao escasso me ofereço

Mas se passa em sua cabeça
O que penso e o que passo?
É só isso que lhe peço
Antes de maçar o meu maço

Ao avanço me disperso
Já cansei-lhes meu disfarce
Minha face sempre sonsa
Tão sem graça já não desce

Mas se a mim cê reparasse
Num olhar me adentrasse
E a minha dor então sofresse
Meu agir reconhecesse
Na origem da ofensa
No assédio insistente
No meu câncer padecido
Na distância fluminense
No meu coração partido

Aí, sim, então somente

Cê veria meu sangue quente
Tão espesso e aderente
De emoções tão permanentes
Porém memórias displicentes 
Que, por escória, só as más
Eu me lembro infelizmente

Mas, como disse, tropecei
E se cê visse a enorme pedra
Entenderia essa minha queda
Um tombo em combo que te quebra

Pisei falso pois havia...

...Bom. Xô ver.
Por onde eu começo?

Uma dor que me seguia
Um amor que não me ouvia
Um dó que me impedia
Um nó que amarraria

Só isso que lhes peço

E esse nó, xô lhe contar porquanto

Agarrara, coçara, tensão que me cegava
Agarrava, coçava e você não observava
Agarrou, coçou, um nó que me enfrentava

Entretanto
Agarrei, cocei, estarei sempre lutando
Agarraras, coçaras. E você, me observando?
Agora agarrará, coçará, sem mercês me ajudando

O tal nó vai me enfrentar com vocês sequer estando
Logo rogo toda praga a esse amor
Esse dó e a minha dor
Entre tantos
Outros

Afinal será um assombro
Das noias que aqui vejo
Quando volto por ensejo
Permanência do meu tombo
Ou minha ânsia, meu desejo
Dos viés a que me cobro
Dos papéis a que pelejo
Desequilíbrio do meu ombro
Quem mexeu neste meu queijo?

Agora sem quem aponte o dedo
Mora em mim um grande medo
Ora, eu vim um tanto cedo
Embora andei com esse segredo
Há muito tempo em meu enredo

Quem irá me visitar?
Sou muito de conjecturar
À expectativa de quem dá
Ou de quem vem pra retirar

Sofrerei com sá distância?
Sem todas suas tolerâncias
Sem todas suas paciências
Sem todas suas consciências

De toda essa minha desgraça
De tudo que eu faço graça
Do mudo que eu sou em casa
Do surdo que me faz bocejo
Do surto em mim de um assobio

Quem lembrar vem dar-me um beijo
Ou um abraço ou o queijo
Também isso eu ensejo
Pois desde cedo que eu velejo
Nessas águas tão longínquas
Em que crio tantas ínguas
À distância do que almejo

Meu longevo ato final
Será sem um sequer lampejo
Ou nenhum saco de sal
Que até hoje eu fraquejo

Farão, sem ignorância, linha extensa?
Explorarão a minha infância?
Numas sãs ações sensatas consciências
Dumas áreas pátrias páreas em parar minha frequência?

Parei nos vários bares solitários e aleatórios do Rio
Que fui à toa e soei pária nest’outro império em que suamos
Pois vim de apenas outr’afluência bem acima do que somos

Serásse esse sanatório
Sarará o meu suplício?
Parará o que tem sido?
Curará esse meu vício?
Nadará em meu dilúvio?
Que não é nem tão difícil?
Talvez porque falar é fácil
Sem viver o meu Vesúvio
Enquanto cais dum precipício?

Será que esse ambulatório
Deixar-me-á sem o que faço?
Saberá o quanto eu calço?
Mudará a minha sina?
Refará meu triste laço?
Para eu poder parar e parar
Nas garras da minha menina?
A quem tanto me ensina
A conviver sem precisar
Desrespeitar o nosso espaço
Com ela sempre quero estar
Minha linda filha que, por acaso
Tanto odeia o meu abraço 

De qualquer maneira
Sei que estou à beira
Deste presídio

Pois essa pedra traiçoeira
Fez-me jus ao suicídio

Fugi da ribanceira
Que me foi tanto alívio
Só que segui indo à feira
Por pedir seu benefício
Num momento não propício
Fiz de mim um desperdício
Sem que a mim próprio eu queira

Vem desde adolescência
Meu sangue tão espesso
Por isso teço verso intenso
Pra fazer ordem e progresso
Ao inverso do que penso
Do que peco eu compenso
Por estar já muito imerso

Vou girando o terço tenso
O tornando uma espada
Como num conto de fada
Caço esse mostro imenso
Pra libertar a princesa amada
Festejar com minha família
Dar o monstro como presa
Para as garras da minha filha
E brindar com meus amigos
Que me ajudam com proeza
A me afastar desses perigos

Porém, a vocês eu lanço:
Não me esforço ou não alcanço?
Fosse a fossa um falso poço
Mesmo a força mais intensa
De um coço tão colosso
Não sairia nem com coça
Você mesmo sempre diz
Que não há ninguém que possa
Sair de toda essa joça
Sem fadar à diretriz
De amizades como a nossa

Mas saiba:
O que me deixou infeliz
Foi todo o mal
Que no bem se contradiz:
Se torcem, dão remorso
Põem berço, me contorço
Sem intenção, me lançam ao fosso
Por pouco, deixam-me a um triz
Antes fosse assim tão fácil
Na coerência e fala mansa
Com bom senso e paciência
Resolver a minha lambança
Minha bagunça na despensa

Não lhe peço condolência
Nem presença com veemência
Se em sua crença permanece
O nonsense da minha ausência
Em sua vil desconfiança

Pois nem tudo é o que parece
Mas fizeram da minha tosse
Um sinal de estar em posse
Sem sequer se ter prudência

Pra ter pulso e constância
Tal Virgulino no Cangaço
Na desgraça em iminência
Nessa ardência de percalços
Na vigência do que passo
Dos meus laços, me despeço
O que sou será lembrança

Camus fez estardalhaço
Em paz, jaz e já descansa
Sá versão que em mim morreu
Sobrou quem sou de preferência
Pro último ato ter relevância

Para que toda essa sofrência
Seja só passado meu

Que o futuro prometeu
Pra limar minha arrogância
Retirar minha inconstância
Restaurar-me cada membro

Vou reaver minha elegância
Fragrância que, nascida em julho
Com orgulho ainda lembro
Por guardar cada embrulho
Dos presentes que nos demos
Tão presentes quanto somos

Pois presentemente eu posso
Considerar-me um sujeito de sorte
Neste Norte em que deleito
Sem que em leito deite à morte

Sigo vivo e imperfeito
Num drama bem do gostinho que eu ajeito.